sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A OCLUSÃO DO OLHAR E DE COISAS MUDAS


Não esticava o olhar para as coisas íntimas do mundo, apenas observava o óbvio, dentro do seu paletó engessado de percepções mesmas de todos os dias. Não sabia o petalar dos lírios dos campos, nem distinguir estrelas de aviões, por não observar o céu noturno. Sequer via acima de si qualquer horizonte de telhados de futuro. 
Perdia o gotejar do orvalho e as poças feitas de chuvas, chutadas por crianças e sugadas por bueiros em redemoinhos – o pêndulo entre águas leves e profundas. Olhava apenas para o espelho e para as fotos de perfil, que era o círculo de sua própria circunferência oclusa. Oblíquo, pois, no seu fixar (por limitações que pertenciam a arestas de si mesmo), não comungava com o que dançava ao redor de si: as cirandas de ventanias de coisas vivas, porém fugidias, tão quanto fecundas. Perdia o passo lento do idoso e o jogo rápido da capoeira de Moa; o sorriso belo da menina quilombola e a diversidade do arpejo (que lhe soara mudo) do artista de rua.







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