segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

51 TONS DE DESASSOSSEGO - LIVRO DO DESASSOSSEGO

“No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação”
Fernando Pessoa (1888-1935)


Sabe aqueles livros que você (que gosta de ler com marcador à mão) toda hora tira a tampa dele e marca um trecho, a cada página? Como se um deslumbramento em cada esquina de parágrafos: eis em Pessoa nos seus desassossegos...
Uma inquietante leitura mixada por fruições poéticas e filosóficas numa prosa saborosa e que intriga.

A leitura dessa obra foi feita esparsamente, entre outras leituras, com intercalações de documentários sobre o poeta português e leituras de textos acadêmicos sobre o mesmo.

Esse livro estupendo foi escrito por Bernando Soares (um dos heterônimos de Pessoa). Guardador de livros – o que seria hoje um bibliotecário – ele se lança nas suas pensações sobre si e sobre a vida. Rasgando muitos protocolos existenciais redigidos pelo dedo convencional que estabelece a visão homogênea do mundo. Faz uma imersão em si mesmo, e por isso, faz trajetos pelo humano, plurificando os estabelecimentos do ser. Ser é uma condição múltipla possível pelo viés do onírico. A imaginação cria realidades – tornasse-as. O que é verossimilhança na abstração ganha corpo de imanências vívidas: vividas.
Então, listo abaixo alguns êxtases de fragmentos encontrados nesta obra.
Partilhar deste livro é um prazer desassossegável.
Inquietemo-nos.

1. Pertenço àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem. 
2. O coração, se pudesse pensar, pararia. 
3. Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. 
4. Saúdo e gero uma alvorada em que me refaço
5. A arte [...] mora na mesma rua que a Vida.
6. Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos – um poço fitando o céu.
7. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
8. Não creio que a história seja mais, em seu grande panorama desbotado, que um decurso de interpretações, um consenso de testemunhos distraídos. 
9. Do outro lado de mim, lá para trás de onde jazo, o silêncio da casa toca o infinito.
10. Posso dormir, porque é amanhã em mim.
11. Um amarelo de calor estagnou no verde preto das árvores.
12. [...] Viver do impreciso e do vestígio entre grandes púrpuras de loucura, e rendas falsas de majestades sonhadas...
13. Não há sossego – e, aí de mim!, nem sequer há desejo de o ter...
14. [...] Netos do Destino  e enteados de Deus, que casou com a Noite Eterna quando ela enviuvou do Caos que nos procriou.
15. Porque eu sou do tamanho do que vejo/ E não do tamanho da minha altura.
16. Espaçado, o pestanejar azul e branco de um vaga-lume (fique alegre em saber que Pessoa se importou poeticamente com os vagalumes, e que assim também o fiz, no que, obviamente, me remeteu ao meu livreto “Espectro Vagalúmicos”.) 
17. Não se pode comer um bolo sem o perder.
18. Levo comigo a consciência da derrota como um pendão de vitória.
19. Leio e estou liberto.
20. Vivemos num lusco-fusco da consciência, nunca certos com o que somos ou com o que supomos ser. 
21. Damos comumente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do conhecido.
22. A maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
23. Talvez se descubra que aquilo a que chamamos Deus, e que tão patentemente está em outro plano que não a lógica espacial e temporal, é nosso modo de existência, uma sensação de nós em outra dimensão do ser. 
24. Não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram.
25. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim.
26. Sou um nómada da consciência de mim.
27. Constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito.
28. Contentar-se com o que lhe dão é próprio dos escravos.
29. Todo a vida fui fútil metafisicamente, sério a brincar.
30. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-se pela imaginação sensível de nós mesmos.
31. Como tudo cansa se é uma coisa definida!
32. Há idas de poentes que me doem mais que morte de crianças.
33. Serei sempre, sob o grande pálio azul do céu mudo, pajem num rito incompreendido.
34. Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha.
35. Cada um de nós é um grão de pó que o vento da vida levanta, e depois deixa cair.
36. Transbordei de mim não sei para onde...
37. É tudo um caos de coisas nenhumas.
38. Prefiro a derrota com o conhecimento da beleza das flores que a vitória no meio dos desertos, cheia da cegueira da alma a sós com a sua nulidade separada. 
39. O que somos é falso entre penumbras.
40. Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou.
41. Transeunte de tudo [...] não pertenço a nada. 
42. Nunca aprendi a existir.
43. Nunca dei crença àquilo que acreditei.
44. O som da chuva chorou alto, como carpideiras no intervalo das falas.
45. Ler é sonhar pela mão de outrem.
46. Morrer é sermos outros totalmente.
47. Feliz quem abdica de sua personalidade pela imaginação.
48. Ser é estar livre.
49. Ó infância [...] cadáver sempre vivo no meu peito!
50. A alma humana é um manicómio de criaturas.
51. Gosto da delícia da perda de mim.

Links relacionados:
- Canção: DÁ-ME LÍRIOS E ROSAS TAMBÉM: https://www.youtube.com/watch?v=T4ilROao28s





terça-feira, 8 de dezembro de 2015