segunda-feira, 4 de novembro de 2013

NARCISO, O FAZEDOR DE ESPELHOS


Confrontar-se consigo mesmo, numa imagem. Contrastar a expectativa do olho com o objeto refletido. A projeção do olhar do outro impressa no nosso olhar. Cada ponto de vista é de um ponto visto.
...

Seu Narciso era fazedor de espelhos. Espelhos de quarto, de sala, de banheiro. Espelhos de pentes e escovas, que refletiam a capilaridade dos tempos. Mas ele nunca que se encarava na vidraçaria dos dias...
Morava e trabalhava em uma casa velha, abandonada e vazia. Aprendeu o ofício de espelhos por hábito antiquíssimo: milenar. Mas nunca se olhava no espelho. Repito, nunca. Em sua memória havia apenas uma imagem inventada de si mesmo.

Um dia, encontrou-se de fato consigo, quando despercebido, olhou num lago cristalino. Prostrou-se, comiseradamente. Real e feia era sua feição. Viera o peso dos séculos... Deixara – naquele momento – de ser vampiro.