quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A DISSONÂNCIA DA POESIA


     

     O termo dissonância é oriundo do mundo da música e denota estranheza, anormalidade, caos, complexidade. A música é feita de notas e as notas compõem acordes, os quais, por sua vez, geram harmonia. Existe a previsibilidade de que um acorde seja formado por uma tríade: ou seja, de três notas musicais: a 1º, a 3º (ou 3º menor) e a 5º notas do campo harmônico. Ex.: O acorde de Dó maior é formado pelas notas Dó, Mi e Sol. Esse tipo de acorde deságua em suas próprias margens. Encerra-se dentro  harmonicamente.

      Os acordes dissonantes (com 4º, 6º, 7º ou 9º...) são caóticos e inacabados. O acorde com 7º, por exemplo, (também chamado de acorde de preparação) é um anunciador de acordes outros, prepara um devir harmônico. Ou seja, sua marca é a incompletude.
       As músicas mais ricas harmonicamente (eis um aparente paradoxo) são aquelas cifradas por acordes dissonantes, e que na pauta transgridem a normalidade do mundo musical.

        A poesia é vista comumente como um gênero literário. Mas, no seu caráter mais vasto e profundo, é o elemento abstrato que se encontra no belo: que arranca arrepio e causa espanto.

        O poético tem como essência a fruição: o degustar da linguagem (seja ela musical, pictórica ou verbal). A sua finalidade encontra-se em si mesmo. Mas gera – inevitavelmente – reações de inquietação, de co-moção e de transformação no plano do anímico. Ele atinge as profundezas (ou criando aqui um neologismo, as “profunduras”) do ser, ampliando o olhar de nossas retinas, apurando a recepção musical dos nossos tímpanos, fazendo-nos ouvir e sentir as dissonâncias da vida e a comungar com elas.

      A função dissonante da poesia, assim, gera um espírito deslocado em quem vive nas incursões do estado poético. Aponta trilhas não tomadas, inauguráveis somente pelo esgarçamento das asas da sensibilidade e do pensar avesso. A dissonância da poesia leva-nos a dançar pelas correntezas da terceira margem. E por isso, o poeta é expulso da república: por ser perigoso, caótico, avesso à musicalidade do normal. A polis “precisa” de ordem, do status quo presente. O poeta é um, enfim, um gauche (fazendo referência a Drummond): tem um anjo torto tocando – na sua harpa – um acorde dissonante.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012